Apontamentos sobre universais e particulares na performance musical

Olá para todos os entusiastas do blog musical CAVERNADOLENHADOR.

Veremos adiante alguns apontamentos históricos sobre a aplicação na música dos conceitos ‘universal‘ e ‘particular‘, originários da filosofia grega e ainda discutidos pela escolástica.

Música, no pensamento grego, era o mesmo que harmonia, significando medida/proporção. Música era a forma em que as relações matemáticas se apresentavam no mundo, os intervalos e as escalas eram demonstrações práticas de ordem e equilíbrio. O fenômeno musical refletia a estrutura harmônica do universo. Música era uma ferramenta para entender o mundo. Nos ensinamentos de Pitágoras, a música e a aritmética não eram disciplinas separadas, assim, o sistema dos sons e ritmos musicais , sendo regidos pelo número, exemplificavam a harmonia do cosmos. Ptolomeu, o mais sistemático teórico musical da época, foi também o mais importante astrônomo da antiguidade. Seu trabalho comparou notas musicais e intervalos à corpos celestes e leis matemáticas. Na concepção de universal dos gregos, o dado metafísico era importante para entender a existência da música (como manifestação física das leis matemáticas e cosmológicas), mas também era importante avaliar a música como som, como manifestação particular, e seus efeitos na índole humana, o “ethos“, que é explicado neste outro post.

O conceito de universais e particulares surge nessa época com Platão, em sua teoria das formas (ou idéias). Basicamente, Platão acreditava que os seres humanos participavam do mundo físico e do mundo das idéias. O mundo físico é sensível, onde podemos encontrar as particulares, coisas como cadeiras e cães. Muitos são os tipos de cães, mas o que o define como cachorro é um “cachorro perfeito”, que, por sua vez, se encontra no mundo das idéias. O mundo das idéias é de onde existem as formas universais, de onde são derivadas as particulares que temos no mundo sensível. Contrapondo-se à visão platônica da forma perfeita, Aristóteles, seu discípulo, formula uma nova teoria. A visão aristotélica suporta que aquilo que é comum a vários indivíduos por si só não forma um indivíduo. Ele exemplifica isso com criaturas mitológicas, que têm características de diferentes animais do mundo sensível, mas só existem no mundo das idéias.

Quando refletimos sobre o conceito de particular e universal na música, nos deparamos com um problema: a performance musical é universal ou particular?

Segundo a visão platônica, onde as universais existem independente das particulares, uma performance interpretativa seria uma particular, onde a universal se encontra na música idealizada pelo compositor ou a partitura por ele escrita.
Já no ponto de vista aristotélico, em que a universal existe dependendo de particulares para exemplificá-la, podemos propor que, para que a obra idealizada pelo compositor exista, é necessário que existam interpretações dessa obra.

Em um momento posterior, ligado à um efervescente reavivamento da filosofia grega na alta Idade Média, surge uma nova linha de pensamento que contrapor-se-á às perspectivas platônicas e aristotélicas. O filósofo escolástico William de Ockham (1287 – 1347) introduz o nominalismo, conceito que nega a existência de universais, atribuindo existência apenas às particulares. Observando a música por essa perspectiva, a interpretação tem maior importância e a obra idealizada não existe, o que existe é a performance particular. O pensamento escolástico de Ockham evidencia as mudanças de paradigma que transformam a percepção da música em sua essência e funcionalidade, impactando no surgimento do que viria a ser a estética musical denominada ars nova, marcada por compositores como Giullaume de Machaut (1300-1377). (exemplo musical – Rose, Liz, Printemps, Verdure)

Com a ars nova e o surgimento da polifonia, a música volta a ser apreciada como particular, de maneira mundana, ao contrário da doutrina eclesiástica que substituíra – que elevara a música ao divino, uma reprodução platônica do universal perfeito. Verificando estas diversas linhas de pensamento expostos neste texto, podemos concluir que o nominalismo é a abordagem que mais se aproxima da performance musical atual, que atribui um valor independente à performance interpretativa e não pressupõe a existência de uma interpretação perfeita, universal, de uma obra.

As fases de Agustin Barrios e Os Estudos 1 e 6 de Heitor Villa-Lobos

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Este é um post com apontamentos sobre os dois maiores compositores latino-americanos que contribuíram para o repertório do violão na primeira metade do século XX, Agustin Barrios e Heitor Villa-Lobos.

Agustin Barrios Mangoré (1885 – 1944) foi um violonista e compositor paraguaio. Após sua morte, sua música foi “enterrada” aos ouvidos do público. Sua redescoberta ocorreu apenas em 1977 com um disco lançado por John Williams tocando exclusivamente obras do compositor e a republicação de suas partituras alguns anos antes.

“Como um violonista/compositor, Barrios é o melhor de todos, independente do ouvido. Sua música é melhor estruturada, é mais poética, é mais tudo! E é mais de todas as coisas em um modo atemporal. Assim penso eu que ele é um compositor mais significativo que Sor ou Giuliani, e um compositor mais significativo — para o violão — que Villa-Lobos.” (John Williams)

Em sua vasta obra, podemos identificar três categorias (ou quatro se considerarmos sua vasta gama de estudos escritos com o enfoque em preparar o violonista para tocar uma de suas obras em particular) diferentes de composição:

A primeira é a folclórica. O compositor sempre foi muito vinculado à identidade cultural de seu povo,  por isso tocava e compunha inspirado na música tradicional paraguaia e da américa latina. A parcela de composições  românticas (ou imitativas) é onde se inspirava no passado para compor suas obras. Empregava técnicas composicionais barrocas (inspirado especialmente em Bach) e românticas (onde via sua principal referência em Tárrega). Alguns autores falam sobre uma produção religiosa em suas composições. Também poderíamos falar sobre uma produção de obras que empregam o trêmulo, de quantidade significante em sua produção.

La Catedral (I. Prelúdio Saudade II. Andante Religioso III. Allegro Solemne) é reconhecida como a obra-prima do compositor. Segundo estudiosos, a peça foi composta após uma visita de Barrios à catedral de San José, em Montevidéu. Inicialmente são escritos o segundo e terceiro movimento em 1921. Posteriormente, em 1938, Barrios se encontrava com saúde abalada e com problemas financeiros em Havana. É composto o melancólico “Prelúdio Saudade”, que foi anexado à obra, construído sobre vagarosos acordes arpejados que destacam as expressivas melodias. O segundo movimento, “Andante Religioso”, reflete sua inspiração em J.S. Bach, evocando sonoridades do passado em blocos de acordes com aguçada digitação por todo o braço do violão. “Allegro Solemne”, o extenuante terceiro movimento, é considerado uma representação de uma missa, com suas notas rápidas simbolizando o furor da multidão ao entrar no templo, com passagens ligeiras imitando o badalar dos sinos.

Una Limosna por el Amor de Dios (Também conhecida como “O ultimo trêmulo”) é outra peça de grande significância no trabalho de Barrios. Diz-se que foi inspirada no apelo de um mendigo que bateu à sua porta pedindo esmolas já no fim da vida do compositor. A técnica do trêmulo é explorada com maestria, delineando um fraseado comovente que dá grande liberdade à inventividade técnica do intérprete. Outras obras suas muito presentes no repertório e que merecem destaque são: Choro da Saudade, Gavota Madrigal, Las Abejas, Un Sueno em la Floresta e suas danças (valsas e mazurkas)

Heitor Villa-Lobos (1877-1959) é reconhecido como o compositor brasileiro de música erudita de maior relevância até os dias de hoje. O violão teve sempre um apreço especial em sua vida e obra. O trecho abaixo apresenta o contexto histórico dos estudos compostos por Villa, de autoria de Orlando Fraga em seu artigo analisando Os 12 estudos para violão de Villa-Lobos.

A importância dos 12 Estudos para violão de Villa-Lobos não pode ser subestimada, seja do ponto de vista musical ou do ponto de vista técnico técnico. De fato, eles foram as primeiras obras modernas de concerto significantes, antecedidas apenas pela Homanaje pour le Tombeau de Debussy de Manuel de Falla (1920), e se mantém desde antão como repertório obrigatório tanto pelo seu valor técnico quanto estético. Os 12 Estudos também representam uma síntese do pensamento estético de Villa-Lobos.

Os 12 Estudos foram dedicados ao violonista espanhol Andres Segovia, que conheceu Villa-Lobos em Paris em 1923 quando de sua estréia nesta cidade. Quando perguntado se Segovia conhecia a obra do brasileiro, este respondeu que acha sua música anti-violonística, uma vez que exigia, entre outras coisas, o uso do dedo mínimo direito, o que não é uma técnica usual. Villa-Lobos respondeu secamente: “Bem, se não usa, corta fora.” Não obstante, Segovia pediu a Villa-Lobos uma nova composição. Seria apenas no próximo ano, 1924, que Villa-Lobos atenderia ao pedido de Segovia ao escrever os 12 Estudos.

Philipe Marietti, um dos diretores da Éditions Max Eschig em 1977, relatou a constante argumentação entre Segovia e Villa-Lobos durante o processo de composição dos Estudos: “Heitor, isto não pode ser realizado no violão.” Ao qual Villa-Lobos responderia: “Sim, isto pode, Andrés.” E quando a argumentação esgotava, Villa-lobos encerraria a mesma tocando no violão a passagem em disputa.

Estudo no.1 é, provavelmente, o mais conhecido e tocado dentre os doze. Foi pensado originalmente como um prelúdio, sem as repetições.

Seu principal enfoque técnico é o dedilhado de mão direita trabalhado em seu arpejo único, que pode ser estudado de várias formas diferentes para conquistar uniformidade sonora, precisão e agilidade. Outras técnicas empregadas que fogem ao padrão de arpejos repetidos são os ligados do compasso 25 e os harmônicos que concluem a música.

Uma característica crucial desses estudos é que não há funcionalidade tonal nos acordes empregados por Villa-Lobos. Não se pode fazer uma análise harmônica satisfatória usando os parâmetros tradicionais, já que o cromatismo gerado pelo paralelismo de acordes diminutos e acordes com quarta e sexta desvirtuam o caráter funcional dos acordes envolvidos no discurso musical. É um dos primeiros exemplos da harmonia pós-tonal sendo empregada em uma composição para violão.

Estudo no.6 é uma progressão contínua de acordes, visando uma maior destreza na formação de acordes com a mão esquerda e no fortalecimento da técnica de pestana. Seus 27 primeiros compassos são tocado em colcheias. Logo em seguida, os mesmos 27 compassos são tocados da mesma forma, porém com o bordão mi sempre tocado entre os acordes. Uma pequena coda conclui o estudo empregando harmônicos.

Repertório Segoviano

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O repertório praticamente restrito aos compositores do período clássico e da segunda metade do século XIX constituía-se, de certo modo, um fator limitante para o repertório do instrumento na medida em que o excluía de formações camerísticas ou sinfônicas, apesar da existência de alguns poucos concertos para violão e orquestra dos compositores italianos Ferdinando Carulli (1770– 1841) e Mauro Giuliani (1781– 1829). No cenário filarmônico, portanto, o violão era tido como um instrumento inapto para expressar discursos musicais mais arrojados e/ou em formações mais sonoras, fatores ligados também à sua baixa projeção sonora. É nesse contexto que Andrés Segovia atua para conferir maior credibilidade ao instrumento, dando continuidade ao trabalho de Francisco Tárrega e sua escola, inclusive transcrevendo obras para violão. Apesar de seus esforços na transcrição, ressaltamos que o principal eixo da atuação de Segovia foi o incentivo ao desenvolvimento e a performance de um novo repertório, pela associação a diversos compositores não violonistas.

O espanhol Andrés Segovia (1893-1987) é introduzido ao violão enquanto ainda criança e se dizia autodidata no decorrer de sua longa carreira. A importância na atuação e a influência do legado de Segovia vai muito além de seu trabalho com as transcrições. Como intérprete, evidenciou a capacidade sonora do violão e revolucionou o imaginário que se construía sobre o instrumento no público adepto da música de concerto do século XX. Sua atuação elevou a reputação do violão e estimulou a criação de um repertório próprio, mas sempre pautado por suas preferências estéticas que remontam à tradição romântica. Como resultado de suas constantes realizações devotadas ao instrumento no decorrer de seus 94 anos de idade, é considerado o violonista mais influente do século XX. Edelton Gloeden, professor de violão da USP, evidencia a significância de Segovia em sua dissertação de mestrado, intitulada O ressurgimento do violão no século XX: Miguel Llobet, Emilio Pujol e Andrés Segovia, ao mencionar a atuação do mestre espanhol como marco da ruptura na ordem de produção de repertório violonístico, com a “figura do intérprete compositor cedendo lugar ao compositor não violonista e o intérprete especialista”, (GLOEDEN, 1996, p.91).

A fama crescente do instrumento veiculada pelos esforços de Segovia  atraiu a atenção de jovens compositores que gostariam de escrever para o violão. O problema é que, sem a tutela de Segóvia, poucos deles compreendiam o idiomatismo do instrumento o suficiente para que pudessem o fazer. Por consequência, uma parcela significativa do repertório moderno foi composto através de sua participação em colaborações com estes compositores, o que é chamado no meio violonístico de Repertório Segoviano. Em seu livro “História do Violão”, Norton Dudeque discorre a respeito destes compositores e as principais obras que integram esse repertório, de conhecimento fundamental à formação do violonista erudito, que sumarizo no decorrer deste post:

“O primeiro destes é Joaquin Turina (1882-1949), que dedicou sua pequena produção violonística inteiramente a Segovia. Sua obra para violão inicia-se com o Fandanguillo, de 1926, seguindo-se Rafaga, de 1930, a Sonata, de 1932, que é sua peça mais ambiciosa para o instrumento e a Hommage à Tárrega, de 1935, composta de dois movimentos, Garrotin e Soleares. Esta última se tornou a obra mais conhecida e executada de Turina.

Federico Moreno Tórroba (1891-1982) compôs um grande número de obras para violão, dedicadas na sua maioria a Segovia. A primeira obra importante de Tórroba para violão foi publicada em 1926, a Suite Castellana. Seguiram-se o Nocturno (1927) e a Burgalesa (1928). As seis peças que compõem a suíte intitulada Piezas Caracteristicas datam de 1931. Seus movimentos são os seguintes: Preambulo, Oliveras, Melodia, Los Mayos, Albada e Panorama.

A mais importante obra de Tórroba é sua Sonatina (1953), que também se tornou sua obra mais popular. Ainda podemos citar Madroños (1954), Aires de La Mancha (1966) e o concerto para violão e orquestra Homenaje a la Seguidilla. Além de sua grande produção violonística, Moreno Tórroba também é conhecido como autor de zarzuelas (operetas espanholas), entre as quais se destacam Luisa Fernanda e La Mesonera de Tordesillas.

Joaquin Rodrigo (1902) deu continuidade na criação de novas obras para violão. A sua obra mais famosa é o Concierto de Aranjuez (1939), dedicado a Regino Sanz de la Maza (1987-1981), e que teve sua estréia em 1940. Já a fantasia para un Gentilhombre (1955) é dedicada a Segovia. Nesse concerto, Rodrigo baseou-se em temas do guitarrista espanhol do século XVII, Gaspar Sanz. Também para Segovia, Rodrigo escreveu as Tres Piezas Españolas (1963), que se tornaram um dos maiores clássicos na literatura violonística do século XX. Ainda citamos, Por los Campos de España (1958), Trois Petites Pieces (1963) e Elogio de la Guitarra (1971), entre outras. Além das duas obras para violão e orquestra já mencionadas, Rodrigo escreveu o Concierto Andaluz (1967) para 4 violões e orquestra, o Concierto Madrigal (1968) para 2 violões e orquestra e o mais recente Concierto para una Fiesta, dedicado a Pepe Romero.

O Polonês Alexander Tansman (1897-1986) é o autor de importantes obras para o violão. A sua Cavatina (1951) obteve o 1º lugar no “Concorso Internazionale” da Accademia Chigiana di Siena realizado em 1951. É composta de quatro movimentos; Preludio, Sarabanda, Scherzino e Barcarola, sendo que um quinto movimento foi incluído por sugestão de Segovia, a Danza Pomposa. Ainda de Tansman destacam-se a Mazurca (1928), sua primeira obra para o instrumento, a Suite in Modo Polonico (1964), uma Hommage à Chopin (1972), as Variations sur un théme de Scriabin (1972) e um concertino para violão e orquestra de câmara, intitulado Musique de Cour (1971), obra em que, como na Fantasia de Rodrigo, o autor baseia-se em temas de um guitarrista do século XVII, neste caso, o francês Robert de Visée.

O italiano Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968), foi um dos mais prolíficos compositores para violão. A sua produção inicia-se quando do seu encontro com Segovia, em 1932, em Veneza. Segovia sugere-lhe então que componha uma obra para violão; como resultado, aparecem as Variazioni attraverso i secoli op. 71 (1932), que inicia com uma chaconne como tema seguindo-se danças de várias épocas, sendo a última variação um “fox-trot”. Seguiram-se obras que homenageiam célebres compositores italianos, como a Sonata, Omaggio a Boccherini, op. 77 (1934) e o Capriccio Diabólico, Omaggio a Paganini, op. 85 (1935), obra que teve sua orquestração realizada em 1945.

O concerto in D op. 99 (1939) foi o resultado das freqüentes requisições de Segovia junto a Tedesco, para que este compusesse um concerto para violão e orquestra. O resultado foi excelente. O concerto apresenta um bom equilíbrio na orquestração, contrabalanceando bem, a sonoridade do violão e da orquestrra. Seguiram-se a Serenada op. 118 (1943) e o Second Concerto in C op. 160 (1953), ambas para violão e orquestra. O Guitar Quintet op. 143 para violão e quarteto de cordas, data de 1950, e tornou-se uma das obras com esta formação, mais importantes do repertório camerístico.

Outras obras importantes de Tedesco são a Tarantella op. 87 (1936), a suíte op. 133 (1947) Platero y Yo op. 190 (1960), 28 poemas de Juan Ramon Jiménez, para violão e narrador, os 24 Caprichos de Goya op. 195 (1961), obras que refletem musicalmente os desenhos de Francisco Goya. Ainda de Tedesco, temos importante música de câmara com violão, como é o caso da Sonatina for Flute and Guitar op. 205 (1965), uma Ária e Ecloghe for Guitar, Flute and English Horn op. 206. Quando do seu encontro, em 1961, com o duo de violões formado por Ida Presti (1924-1967) e Alexandre Lagoya (1929), Tedesco compôs várias obras para dois violões, entre estas a Sonatina Canonica op. 196 (1961), Les Guitares bien temperées op. 199 (1962), 24 prelúdios e fugas e o ótimo concerto for two Guitars and Orchestra op. 201 (1962).

Entre os compositores latino-americanos que escreveram para Andrés Segovia, destacam-se Manuel Ponce e Heitor Villa-Lobos.

O mexicano Manuel Ponce (1882-1948) encontrou Segovia pela primeira vez em 1923, quando de um concerto deste na cidade do México. Ponce escreveu sobre aquele concerto:

Andrés Segovia é um inteligente e valioso colaborador dos jovens músicos espanhóis que escrevem para o violão. Sua cultura musical permite-lhe traduzir com fidelidade em seu instrumento o pensamento do compositor e, desta maneira, enriquecer dia a dia o não muito grande repertório de música para o violão (…)

Da amizade nascida entre Ponce e Segovia resultou uma grande produção musical destinada ao violão. A primeira obra foi uma sonata Mexicana (1923), que utiliza temas folclóricos. Seguiram-se a esta o Théme Varié et Finale (1926) e a Sonata III (1927).

Nestas duas obras, Ponce demonstra sua refinada linguagem musical, utilizando sutilezas rítmicas e harmônicas de extrema beleza. Assim como Tedesco, ponce escreveu obras em homenagem a compositores do passado. São duas sonatas, sendo a primeira uma sonata Romântica (Hommage a Franz Schubert, 1928) e a Sonata Clássica (Hommage a Fernando Sor, 1930). Nestas duas obras, Ponce presta sua homenagem a duas figuras importantes na história do violão. Retornando a uma linguagem musical moderna, Ponce escreve as Variation sur “Folias de España” et Fugue (1929), considerada por muitos como uma das maiores obras escritas para o violão no século XX. Aqui, Ponce explora todas as possibilidades técnicas e musicais do instrumento. Ainda dedicados para Segovia são os 24 Preludios (1929), dos quais Segovia selecionou e editou 12, e a Sonatina Meridional (1932).

A coroação de toda esta obra de altíssima qualidade está no Concierto del Sur (1941), que é um dos mais bem sucedidos do gênero. Esta obra teve sua estréia em 1941, em Montevidéu, quando de uma excursão de Ponce pela América do Sul.

[…] Da colaboração entre Segovia e Villa-Lobos resultou a série de Doze Estudos (1929). Obra de importância fundamental no repertório atual do instrumento, é original nos seus achados técnicos, melódicos e harmônicos. Dedicados a Segovia, os estudos abrem um novo caminho na escrita idiomática para o instrumento.

Destacam-se várias obras de Villa-Lobos para violão. Por exemplo, a Suite Populaire Bresiliene (1908-12), composta de cinco movimentos, Mazurka-Choro, Schottish-Choro, Valsa-Choro, Gavota-Choro e Chorinho, constitui um excelente retrato da música popular brasileira do início do século. Mas a melhor homenagem aos seus companheiros de choro, é o primeiro da monumental série dos Choros: os Choros nº 1 (1921), dedicado a Ernesto Nazareth.

Os Prelúdios datam de 1940. Originalmente em número de seis (o sexto está perdido), os cinco restantes tornaram-se das obras mais populares e executadas na literatura violonística do nosso tempo. São obras que exploram de forma inteligente as possibilidades tímbricas, expressivas e técnicas do violão. Os prelúdios tiveram sua estréia realizada em 1943, pelo violonista uruguaio Abel Carlevaro, em Montividéu.

A última obra composta para violão por Villa-Lobos é o Concerto pour Guitare et Orchestre (1952). Esta obra foi fruto da insistência de Segovia junto ao compositor brasileiro. Concebido como uma fantasia concertante, foi-lhe acrescentada uma cadência para violão, torndando-se o concerto para violão e orquestra. O concerto é a síntese da escrita violonística de Villa-Lobos, apresentando recursos já utilizados nos estudos e prelúdios. A estréia desta obra deu-se em 1956, em Houston, nos EUA, tendo Segovia como solista e o autor como regente.”
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Época de Ouro do violão: Sor e Giuliani

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Escreverei hoje a respeito da época de ouro do violão por demanda da disciplina “Literatura do instrumento 1″.

A época de ouro do violão foi o período entre a ascensão dos grandes compositores clássicos até a deposição do violão pelo piano romântico. Os dois principais nomes dessa época são Fernando Sor e Mauro Giuliani.

Fernando Sor (1778 – 1839), violonista e compositor espanhol, nasce em uma época onde o violão era tido como instrumento inferior aos demais instrumentos orquestrais. Instruído no violão por seu pai, foi descoberto como prodígio aos 11 anos pelo chefe da catedral de Barcelona, onde passou a estudar.

Durante a invasão napoleônica da Espanha, chegou a enfrentar o exército Francês, mas perante a derrota da Espanha, aceitou o novo governo. Eventualmente, mudou-se para Paris, nunca mais retornando para sua terra natal.

Apesar de virtuoso violonista, suas composições e óperas não fizeram sucesso entre os franceses. Tentou novamente na Inglaterra, onde compôs ballets, gênero que fazia mais sucesso lá. Seu Cinderella foi bem aceito pelo público, o que rendeu à Sor considerável fama.

Em momento posterior, chegou à visitar a Rússia. Pouco se sabe sobre sua estadia em Moscow, mas depois passou a aventurar-se pela Europa como concertista. Já velho, decide morar em Paris, período em que compõe grande parte de sua obra violonística

Sua obra é extensa. Destaca-se no repertório de concerto os op. 22 Grande Sonate e op.14 Grand Solo. Uma de suas composições mais tocadas atualmente é o Op.9, Variações sobre um tema da Flauta Mágica de Mozart.

São variações usando uma pequena melodia da ópera de Mozart. Trabalhando para demonstrar a capacidade do violão como instrumento solista, Sor subverte um tema operístico de sucesso com incontestável habilidade composicional.

As cinco variações são precedidas pelo tema simples e bem anunciado, que por sua vez é precedido por uma introdução lenta e solene. Cada uma das variações evoca uma atmosfera e caráter diferentes, mas todas elas retém a inconfundível simplicidade do discurso do estilo clássico. Há muitas oportunidades para usar contrastes timbrísticos ao decorrer da peça, como é feito por vários interpretes de renome.

Outra obra de grande destaque é seu método para violão. Além de abordar técnica em si, inclui detalhes sobre a teoria por traz das escalas, harmonia, sonoridade do instrumento, composição e acima de tudo música como uma         arte. Seu pupilo Napoleão Coste, também consagrado violonista e compositor, revisou, ampliou e republicou esse material.

Sua produção de estudos e lições também é vasta (opus 60, 44, , 35, 31, 6 e 29). Apesar de simples, são estudos com enfoque técnico com grande musicalidade. Andres Segovia selecionou 20 de seus estudos que popularizaram consideravelmente o trabalho de Sor.

Mauro Giuliani (1781-1829), violonista e compositor italiano, começou sua vida musical tocando Cello. Posteriormente em sua vida, devota seus esforços ao estudo do violão, tornando-se um grande virtuoso.

Foi para Viena, onde conheceu o estilo clássico.  A partir de 1807, suas composições nesse estilo começaram a ser publicadas. Sua popularidade e reconhecimento como músico chegou a rivalizar os dos maiores instrumentistas e compositores vienenses ativos dessa época.

O papel exercido por Giuliani foi fundamental para a solidificação do violão como instrumento concertista. Conhecia compositores notáveis como Rossini e Beethoven, também as mais altas figuras da nobreza austríaca. A partir de 1819, seu declínio foi desencadeado por dívidas que o afastaram de Viena. De volta à Itália enfrenta uma queda drástica em oportunidades artísticas, mas continuou compondo até sua morte.

Giuliani mais de 150 obras para violão. Além de peças desafiadoras para violão, também explorou formações de duos, como violão-piano, violão-canto, violão-flauta e violão-violino. Em sua produção para violão solo, destacam-se os concertos, as seis rossianas e sonatas.

O Concerto op.30  é o primeiro concerto para violão e orquestra de Giuliani. Foi estreado pelo próprio compositor em Viena, 1808, causando um grande impacto na crítica: foi aclamada como a composição mais impressionante já escrita e tocada para o instrumento.

São três movimentos. I. Allegro II. Siciliana III. Polonaise – a duração é de cerca de meia hora. O dialogo estabelecido entre o solista e a orquestra é bem definido. No primeiro movimento, os trechos finais de oitavadas intercaladas merecem atenção especial por sua energia. O segundo movimento é vagaroso porém sem deixar de lado as características do fraseado clássico. Também apresenta trechos oitavados, talvez para dar maior peso e projeção ao som pensando no instrumento em que era originalmente executado. O terceiro movimento conta com a mesma exploração das oitavas no fraseado do violão. Nesse trecho, a participação dos sopros também ganha atenção especial.

A Rossiana no.1 op. 119 é uma peça extensa, inspirada em árias das óperas de Rossini. De longa duração e de grande dificuldade técnica, ainda é muito tocada entre os violonistas atuais. O uso de harmônicos explora técnicas que vão além do piano, instrumento tão característico da linguagem clássica. Ao mesmo tempo que inova, subverte a música se mantendo fiel ao estilo.

Grande Overture op. 61 também figura entre as peças mais tocadas de Giuliani. É um perpétuo movimento de abertura ao estilo francês, aparentemente interminável.  Seu caráter permeia entre a solenidade e o entusiasmo. Diferencia-se da escrita pianística empregada em tantas outras obras de Giuliani, definindo como deve soar o estilo clássico no violão.

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Origem, evolução e desenvolvimento do violão

 Olá para todos os entusiastas do blog musical CAVERNADOLENHADOR.

O violão não ocupou sempre o pódio de instrumento mais popular do mundo. A trajetória do instrumento e de seu repertório conta com uma série de ascensões e declínios,  transformações e evoluções. Para entendermos como ele conquistou o espaço que tem hoje, precisaremos mergulhar na história que o envolve. Apresento aqui uma breve história do instrumento, contemplando a trajetória de construção dos instrumentos da família até recentemente.

A origem do violão é incerta. Especulou-se muito sobre seus precursores até que Emílio Pujol, violonista e musicólogo discípulo de Tárrega, realizasse suas pesquisas e sistematizasse suas conclusões em uma de suas conferências (publicada como “La guitarra y su História”) em Paris, no ano de 1929. Foram levantadas então duas possibilidades para sabermos de onde veio o violão:

A primeira hipótese afirma que o violão é derivado da Khetara Grega e da Cítara romana (ou Fidícula). Eventualmente no século XIII e XIV, esse instrumento evolui para se tornar a Guitarra Latina, como explica Pujol:

“…seus braços dispostos da forma da lira foram se unindo, formando uma caixa de ressonância, a qual foi acrescentado um braço de três cravelhas e três cordas, e a esse braço foram feitas divisões transversais (trastes) para que se pudesse obter de uma mesma corda a ser tocado na posição horizontal, com o que ficam estabelecidas as principais características do Violão.”

A segunda hipótese (e a mais aceita e disseminada) diz que o violão é um derivado do Alaúde Árabe, também chamado de Oud, que chega à Península Ibérica pelas invasões muçulmanas que se iniciam no século VIII. Já no século XIII e XIV, este torna-se conhecido por Guitarra Moura, instrumento que inclusive aparece convivendo junto à Guitarra Latina na Península Ibérica em relatos do trovador Afonso X (1221-1284), rei de Leão e Castela.

Por volta do século XV, o alaúde dá espaço à vihuela. O instrumento passa a figurar em cortes da nobreza, onde acompanhava o canto ou participava em grupos de câmara. Para desvencilhar-se a influência moura (que era descriminada por essa elite) que vigorou até então, mudaram o formato do corpo, antes arredondado, e da mão do instrumento, que se dobrava para baixo. A vihuela era afinada como o alaúde, mas com seis ou sete ordens. Suas cordas (feitas de tripas de animais) eram duplas, com exceção da primeira. Conviveu com a guitarra até o século XVII.

A Guitarra Renascentista surge como uma versão simplificada da vihuela, que exigia maior perícia do intérprete em seu manuseio. Era um instrumento com pouca atenção de compositores eruditos, mas atendido por um repertório popular à parte. É afinada assim como a vihuela, mas sem a sexta e primeira cordas, uma afinação em quartas como o violão de hoje. Tinha quatro ordens, também com cordas duplas em exceção à primeira. Seu curto braço e pequeno porte davam espaço à oito trastes. O repertório desses instrumentos ainda é tocado em instrumentos de época e no próprio violão moderno de seis cordas. As obras de compositores que se destacam são:

  • ‘El Maestro’ de Luis de Milán (1536)
  • ‘Los seys libros del Delphin’ de Luis de Narváez (1538)
  • ‘Tres Libros de Música’ de Alonso Mudarra (1546)
  • ‘Orphénica Lyra’ de Miguel de Fuenllana (1554)

guitarra barroca

Possivelmente a partir da Guitarra Renascentista surge a Guitarra Barroca, com cinco ordens, cordas duplas e afinada como violão. No repertório constam compositores que escreveram para o instrumento e ainda são tocados atualmente:

  • Gaspar Sanz (c.1640–1710)
  • Robert de Visée (c. 1658 – 1725)
  • Santiago de Murcia (c. 1673 – 1739)

guitarra romântica

Da Guitarra Barroca, em torno de 1750, surge a Guitarra Romântica. As cordas duplasderam espaço às simples. Afinado como o violão moderno, já é tida como violão. É para esse instrumento que os compositores da “Época de Ouro” do violão compuseram:

  • Aguado
  • Carcassi
  • Carulli
  • Diabelli
  • Giuliani
  • Sor

Tárrega com violão Torres

Na metade do século XIX, a reputação dos grandes mestres da época de ouro já havia se deteriorado. O Piano, desenvolvido e melhorado no século XIX, substituiu a guitarra nas casas aristocráticas e nos ciclos artísticos. A orquestra crescente em tamanho e tecnologia não tinha mais espaço para o volume reduzido da guitarra. Houve então tentativas de melhoramentos na projeção do instrumento por parte de luthiers e entusiastas do violão. Experiências com sete, oito e dez cordas em tentativa de rivaliza-lo com os demais instrumentos.

Essas tentativas encontram seu sucesso em Antonio de Torres,  luthier espanhol do século XIX,  que transforma a guitarra romântica quanto à forma e as dimensões. É nesse momento em que surge o violão atual (que passou a ser chamado de violão Torres), a partir do qual diversas outras variedades surgem até hoje. As novas técnicas na construção de violões proporcionam recursos sonoros imprescindíveis para a aceitação do instrumento nos circuitos de música erudita  Nessa situação ocorre reinstaurarão  do violão concertista pela iniciativa da Escola de Tárrega, e, posteriormente, no Século XX, de Andrés Segóvia, Julian Bream e Narciso Yepes. Na América Latina, nomes de destaque no cenário do violão contam com Barrios, Villa-Lobos e Leo Brouwer.

A partir do violão Torres, surge toda uma geração de luthiers que influenciaram a construção de violões durante o século XX. São os principais:

  • Hauser
  • Fleta
  • Ramirez
  • Romanillos
  • Bouchet
  • Humphrey
  • Smallman

Violão Smallman

Atualmente, no século XXI, não há uma hegemonia de nenhum tipo de violão em especial. O violão Smallman, de construção inovadora usando fibra de carbono, é uma das fortes tendências que influenciam os violões modernos.

ensaio sobre estética musical

Olá para todos os entusiastas do blog musical CAVERNADOLENHADOR.

Recentemente, escrevi um ensaio para a disciplina “filosofia da música”, ministrada pelo magistral Celso Cintra na UFU. Achei pertinente a publicação desse ensaio aqui, uma vez que é sobre um tema que eu pretendo abordar a algum tempo:

ENSAIO SOBRE ESTÉTICA MUSICAL

Esse ensaio é estruturado com base em quatro textos: “Rafael Subversivo“; duas matérias da revista Concerto de Abril de 2012: “Contra a maldição da continuidade estética” e “Tolerância, diferenças e radicalidade”; e “Música, pensamento escolástico e arquitetura gótica”.

Todos esses textos têm um tópico em comum: as transformações estéticas de cada período da história, da Grécia Antiga passando pela Idade Média e até o Pós-Modernismo, com suas semelhanças e diferenças. Para serem discutidos, porém, deve-se primeiro esclarecer:

O QUE É ESTÉTICA?

A estética, por definição, é um ramo da filosofia que reflete sobre a arte. A estética musical, por sua vez, é o ramo da estética que analisa a música. Analisa em que aspectos?

A estética musical discute uma determinada música, músico ou estilo quanto a “o que” e “como” a música inspira, onde muitos filósofos sem formação musical têm mais espaço para discussão. E quem foram esses filósofos que discutiram música?

BREVE HISTÓRIA DA ESTÉTICA MUSICAL

A filosofia da música começa na Grécia Antiga. Platão, em República, nos diz que a música tem poder na alma, e por isso, deve ser regulada pelo governo na sua sociedade perfeita. Outro exemplo é encontrado na filosofia de seu discípulo, Aristóteles, que menciona o efeito dos modos musicais nas índoles das pessoas.

Até então, a música era regulada por proporções matemáticas, mas Aristóxeno, discípulo de Aristóteles, propôs que a música deveria ser julgada pelo ouvido. Aristóxeno, que estudaria a teoria da música, sugeriu ainda que a música não é subordinada à filosofia.

A reflexão sobre a música teve sua continuidade em filósofos da Idade Média com Boécio, Santo Agostinho e Guido D’Arezzo. Apesar disso, foi no século XVIII que Baumgarten, filósofo alemão, surgiu com a análise estética da arte no cenário filosófico. Sua obra influenciou Kant, que reconhecia a beleza da música instrumental, mas ainda sim não a considerava rival das outras artes, sugerindo que a música deveria veicular palavras na forma de canção e ópera.

Durante o Romantismo, compositores e críticos revolucionaram o conceito de música com suas ideologias. Hoffmann propõe que a música como arte da composição instrumental. Alguns anos depois, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer eleva a música instrumental ao pico de maior das artes em sua grande obra O Mundo como Vontade e Representação.

O compositor Robert Schumann sugere a representação musical, idéia que é contraposta por Eduard Hanslick, que afirmava que a música deveria ser apreciada por sua forma. Essa “Guerra dos Românticos” fragmentou o pensamento da época em dois grupos: os formalistas, como Hanslick, e os anti-formalistas, como Richard Wagner.

No século XX, modernistas discutem sobre a música não representar nada além dela mesma. Um dos que apóiam esse conceito é o compositor alemão Igor Stravinsky, que dizia que “forma é tudo” e que buscar por significado em música é uma distração da verdadeira experiência musical.

Finalmente chegamos a Theodor Adorno, que distingue a música em dois gêneros referentes à música popular e a música artística. Segundo sua teoria, a música popular é uma forma industrializada de cultura que substitui a música “difícil” e crítica, que geraria reflexão sobre a vida social. As necessidades falsas criadas pela indústria cultural podem ser criadas e supridas pelo sistema capitalista, encapsulando o indivíduo em noções de beleza desonestas.

A RENOVAÇÃO NA MÚSICA

A arte é, em sua essência, criativa. E para criar, podemos usar um método já sistematizado, um molde do que já se foi criado antes, ou, então, ultrapassar as fronteiras do que já se foi criado anteriormente e moldar uma nova obra. A música, como arte, não foge a esse padrão.

Existem compositores que estruturam suas obras baseados em fórmulas conhecidas, mas também existem aqueles que criam sua própria metodologia composicional. Existem aqueles que fazem os dois. Enfim, o importante é que existem aqueles que inovam e tornam possível todas as diferenças únicas que se encontra nas artes. Mas como isso se relaciona com a estética?

Desde os primórdios da história da música, novos estilos musicais enfrentavam a antiga prática em busca de independência e supremacia. Essas grandes renovações estilísticas estiveram presentes na estruturação da música modal, sucedida pela música tonal. No século XX, temos uma substituição do sistema tonal, que desencadeou uma série de mudanças estéticas

Durante a construção de um novo estilo, além da maneira de se fazer e tocar música, também se abre espaço para novas propostas estéticas sobre esse estilo. Um bom exemplo disso é o livro “Filosofia da Nova Música” de Adorno. É uma obra que aborda questões estéticas da música contemporânea, propondo sistematizações e oferecendo um panorama da nova prática musical que está se firmando.

Com tudo isso em pauta, para quê o músico estuda estética musical?

ESTÉTICA MUSICAL NA FORMAÇÃO DO MÚSICO

O que é música? O que não é musica? Por que isso é música e aquilo não? Essa música é melhor que aquela música? Qual a função da música?

A estética musical pretende questionar e oferecer ferramentas para responder essas perguntas. Essas questões são ou seriam respondidas diferentemente na visão de cada um dos filósofos e músicos mencionados anteriormente, e por causa dessas respostas, elaboramos ainda mais nossas próprias respostas. O estudo da estética musical, então, é um estudo histórico e filosófico, que envolve o conhecimento e a reflexão.

Conhecimento em saber como a música foi tratada em cada período da história, reflexão em saber quais aspectos podem ser filtrados e empregados em determinada situação. O estudo filosófico da estética musical é fundamental para a formação do músico crítico. E quais são as características desse músico crítico?

Um músico crítico, a meu ver, se diferencia pela sua proposta de encarar a música com seriedade, como arte. E em seriedade eu quero dizer interesse, devoção e respeito. Esse músico se especializará na técnica de seu instrumento, na teoria da música, na história de seu repertório e nas reflexões por trás do que é ser músico e do que é música.

Sem essa reflexão e conhecimento, o músico se rebaixa a um artista sem identidade. Um mero ‘tocador’, sem ter idéia do que faz e por que ele faz. E, como Boécio diria, aquele que não reflete sobre o que faz não passa de uma besta de carga.

História II: A Música da Antiga Roma

Olá para todos os entusiastas do blog musical CAVERNADOLENHADOR.

A Música Da Antiga Roma

Como em muitas outras áreas, os romanos se inspiravam na cultura grega para desenvolver a sua própria. Depois da Grécia se tornar uma província romana em 146 A.C., a música que cultivavam anteriormente se perdeu. A partir desse momento, era-se esperado do indivíduo culto romano a aptidão na fala e escrita grega, e também, como era costumeiro nos próprios gregos, que tivesse instrução musical. É incerto se contribuições foram feitas por parte dos romanos a teoria ou prática musical grega. Também é estipulado que a música romana recebeu influências egípcias e persas, apesar de não ser mencionado tradicionalmente.

Roma era uma cidade culturalmente rica, refletindo assim em suas atividades musicais. Instrumentistas e cantores viajavam de todos os cantos da república para participarem dos grandes festivais e concursos. Haviam orquestras públicas, rituais religiosos atendidos por instrumentistas diversos e cantores. Os sopros, aliados a percussão, também estavam presentes na música de serviço militar. Também havia música íntima acompanhando as celebrações das classes sociais elevadas. A música nessa etapa história ainda mantém as características gregas: monofônica, embora heterofônica; construída em modos; instrumental, vocal acompanhada ou solo; ritmicamente dependentes da palavra.

Quanto a instrumentação de sopro usada nessas músicas, podemos destacar a  tíbia – versão romana do aulo grego – que era uma flauta, a tuba, a corneta, o corno, que era uma grande trompa em forma de G, e a buzina, que era uma versão menor. Inúmeros outros instrumentos de sopro foram usados na época, até mesmo instrumentos de proporções colossais que eram carregados por carroças.

A percussão, que é muito característica da música militar que vemos na cinematografia reconstruindo a época, também era usada para acompanhar danças. Eram usados tamborins com pele e esteira, tambores e pequenos pratos. As líras e harpas também representavam as cordas e eram mais comuns na música de apreciação dos patrícios. Órgãos pequenos também existiam, apesar de serem operados manualmente. A música vocal já se apresentava na forma de coral e se fazia presente em rituais pagãos, em hinos, na música intima, no teatro e nas canções folclórica que deviam ainda existir dentre os plebeus.

Temos um registro quanto a música da época do escritor de prosa Apuleius em seu romance Metamorphoses, (O Asno de Ouro).

“…Flutes and pipes and piccolos sounded a very soothing harmony. An attractive choir of carefully chosen boys, radiant in their white Vestments, followed, singing a hymn which had been composed by a skillful poet, inspired by the Muses, and which explained the precessional rites of this important ceremony. Then came the pipe players dedicated to the cult of mighty Serapis. Holding their pipes out to the side, toward their right ears, they played a tune usually heard in a temple, by the god.”

A notação musical dessa época não foi inteiramente perdida. Temos vestígios de manuscritos e pergaminhos indicando instruções para a execução musical, mas, apesar de ser estudado, é de difícil interpretação nos padrões atuais de notação. Alguns grupos se dedicam a essa pesquisa, mas não é possível uma interpretação fiel do que era tocado na época, mesmo porque o condicionamento que o romano tinha para ouvir a música era diferente do nosso. Por não haver uma notação fixa, podemos concluir que a música romana também era improvisada, de forma que a cada execução soasse diferente, mas ainda dentro das formas convencionadas.

O Surgimento do Cristianismo

Apesar de combatido pelos imperadores, o cristianismo conseguiu se consagrar na elite romana. Em 313, Constantino legalizou sua prática religiosa, e em 391, Teodósio combateu o paganismo, tornando-o proscrito e convertendo oficialmente o império ao cristianismo. Com essa proibição, cultos serão perseguidos e lentamente os vestígios da música usada em seus rituais se extinguirá. A filosofia cristã alegava que a música fosse serva da religião. Não negavam que a música era agradável, mas afirmavam que a música para deleite egoísta deveria ser rejeitada. As celebrações públicas e manifestações de música íntima dos patrícios também irão cair juntamente com o surgimento da nova religião.

Uma nova realidade surge na Europa: a Idade Média se inicia, e a igreja católica se fundamenta nas raízes da sociedade. Espetáculos, festivais, teatros, concursos e a música cultivada para deleite íntimo foram julgados uma forma de prazer imprópria aos olhos da igreja, que tentaria eliminar todos os vínculos da tradição da vida pagã de seus seguidores. Surgem então, nesse cenário de mudança de tradições, as primeiras formas musicais cristãs, herança de suas origens judaicas: o canto dos salmos e hinos. No início da era cristã, Bizâncio foi a cidade que se destacou como modelo. Compositores lá surgiram nessa época e assim, baseado nos modos, estruturas pré-definidas e textos bíblicos, surge o cantochão. Os missionários cristãos que percorreram as antigas estradas do império romano levavam consigo o cantochão a todas as regiões da Europa ocidental.

Os tipos de modos musicais têm designações diferentes para cada cultura. Rága para os hindus, Maquem para os árabes, Echos na grega bizantina e Modos em hebraico. Modos são um vocabulário de notas disponíveis e um repertório de motivos melódicos. Os motivos de cada grupo têm como denominador comum o fato de exprimirem a mesma gama de sentimentos, compatíveis em certas melodias e ritmos e também de derivarem da mesma escala musical. A escolha de cada modo dependia na natureza do texto que se pretendia cantar, da ocasião em que se cantava da época do ano e até mesmo da hora do dia. Dessa forma, podemos identificar que os modos foram importados do Oriente, embora também tenha sido influenciada pela teoria grega, como diz Boécio.

O papa Gregório (590-604) foi o responsável pela compilação do repertório do cantochão usado no serviço religioso. Nesse processo, surgiu-se a nomenclatura ‘canto gregoriano’. Quando Carlos Magno foi coroado chefe do Sacro Império Romano em 800, o canto gregoriano passou a ser imposto e acaba substituindo as vertentes locais do cantochão, como o céltico, galicano, moçárabe, ambrosiano, apesar de não eliminar por completo seus usos locais.

EXEMPLOS MUSICAIS:

Nenhum exemplo de música romana é providenciado por Palisca. Por mera curiosidade, poderão checar no youtube como talvez soasse essa música, apesar dessa reprodução não ter credibilidade histórica.

Semana que vem, o cantochão será analisado na forma Missa, que também será discutido na postagem.

LEITURA APROFUNDADA:

A música romana é, de certa forma, um tema muito escasso. A leitura aprofundada nesse tema ficará por conta do livro que acompanho, “A HISTORY OF WESTERN MUSIC’, que poderá ser baixado aqui. O livro é muito condensado e de forma alguma trabalha didaticamente. Será uma difícil leitura e o tema realmente ‘não merece’ toda essa atenção.

No próximo post, irei iniciar os estudos sobre a Idade Média, discutindo a missa e a influência de Boécio.

Série História da Música da CAVERNADOLENHADOR:

Introdução a História da Música Ocidental
História I: A Herança Grega
História II: A Música da Antiga Roma
História III: Música na Idade Média

História I: A Herança Grega

Olá para todos os entusiastas do blog musical CAVERNADOLENHADOR.

“A música grega assemelhava-se à da igreja primitiva em muitos aspectos fundamentais. Era, em primeiro lugar, monofônica, ou seja, uma melodia sem harmonia ou contraponto. Muitas vezes, porém, vários instrumentos embelezavam a melodia em simultâneo com a sua interpretação por um conjunto de cantores, assim criando uma heterofonia. Mas nem a heterofonia nem o inevitável canto em oitavas, quando homens e rapazes cantam em conjunto, constituem uma verdadeira polifonia. A música grega, além disso, era quase inteiramente improvisada. Mais ainda: na sua forma mais perfeita (teleion melos), estava sempre associada à palavra, à dança ou a ambas; a sua melodia e seu ritmo ligavam-se intimamente à melodia e ao ritmo da poesia, e a música dos cultos religiosos, do teatro e dos grandes concursos públicos era interpretada por cantores que acompanhavam a melodia com movimentos de dança predeterminados.” (A HISTORY OF WESTERN MUSIC, pg. 19)

Antes de mais nada, já providenciarei dois exemplos de fragmentos que sobreviveram até nossa época:

Epitath of Seikilos

Orestes: Sasimon Chorus

A Música no Pensamento Grego

 Muito se foi filosofado a respeito da música por pensadores gregos. Foi a teoria, e não a prática, que sobreviveu e afetou a música medieval.

As teorias gregas abordavam:

  • Doutrinas sobre a natureza da música, o seu lugar no cosmos, os seus efeitos e a forma conveniente de a usar na sociedade humana;
  • Descrições sistemáticas dos modelos e materiais da composição musical;

Nos ensinamentos de Pitágoras, a música e a aritmética não eram disciplinas separadas, assim, o sistema dos sons e ritmos musicais, sendo regidos pelo número, exemplificava a harmonia do cosmos.

Foi Platão, por outro lado, que expôs essa doutrina de forma completa e sistemática em seus diálogos Timeu e República.

Ptolomeu, o mais sistemático teórico musical da época, foi também o mais importante astrônomo da antiguidade; e comparou  notas musicais e intervalos a corpos celestes e leis matemáticas.

A poesia e a música eram termos quase sinônimos para os gregos. A poesia Lírica significava poesia cantada ao som da lira, o Ode e Hino também eram termos musicais além de gêneros poéticos.

“Há outra arte que imita recorrendo apenas à linguagem, quer em prosa, quer em verso […], mas por enquanto tal arte não tem nome.” (Aristóteles, Poética)

Tendo em base essas idéias dos mais importantes pensadores gregos, podemos explicar o conceito de Etos, que será muito importante para entender a teoria dos afetos em um período muito posterior.

“A doutrina grega do etos, por conseguinte, baseava-se na convicção de que a música afeta o caráter e de que os seus diferentes tipos de música o afetam de forma diferente. Nestas distinções efetuadas entre os muitos tipos de música podemos detectar uma divisão genérica em duas categorias: a música que tinha como efeito a calma e a elevação espiritual, por um lado, e, por outro, a música que tendia a suscitar a excitação e o entusiasmo. A primeira era associada ao culto de Apolo, sendo o seu instrumento a lira e as formas poéticas correlativas a ode e a epopeia. A segunda categoria, associada ao culto de Dioniso, utilizava o aulo e tinha como formas poéticas afins o ditirambo e o teatro.” (A HISTORY OF WESTERN MUSIC, pg. 22)

O etos, de forma mais simplificada, é o conceito que a música pode inspirar o indivíduo, agindo em seu caráter, vontade e conduta. Aristóteles diz que a música representa as paixões ou estados da alma, e que, ao ouvir música nos inspiramos com brandura, coragem temperança e ira.

A educação cívica grega também contava a música como uma das disciplinas fundamentais para a formação do bom cidadão. Platão, em República, escrita por volta de 380 a.c., insiste na necessidade de equilíbrio entre os elementos da educação: o excesso de música tornará o homem efeminado ou neurótico. o excesso de ginástica toná-lo-á incivilizado, violento e ignorante. Para entender melhorar o papel da música na educação grega, vá até a LEITURA APROFUNDADA no fim desse post.

O Sistema Musical Grego

A teoria musical grega, ou harmonia, segundo Cleónides e Aristóxeno, se constituía de sete tópicos:

  • notas: movimentos da voz humana;
  1. contínuo, em que a voz muda de altura num delizar constante, ascendente ou descendente, sem se fixar numa nota;
  2. diastemático, em que as notas serão mantidas, tornando perceptíveis os intervalos;
  • intervalos: distâncias entre notas;
  1. tons, meio-tons e dítonos (terça).
  2. O diatessarão era o intervalo de quarta, obtido pela formação do tetracorde; e foi um dos três intervalos primários reconhecidos como consonâncias.
  • gêneros: tipos de tetracorde;
  1. diatônico: os dois intervalos superiores eram tons inteiros e o inferior um meio tom;
  2. cromático: o intervalo superior era um semidítono, ou terceira menor, e os dois intervalos inferiores;
  3. enarmônico: o intervalo superior era um dítono, ou terceira maior, e os dois intervalos inferiores eram menores do que meios-tons, quartos de tom, ou próximos do quarto de tom.
  • sistemas de escalas: formadas pela união de tetracordes. É demasiado complexo para discutirmos nessa postagem;
  • tons: podem ser considerados tanto como as divisões da altura do som quanto os tipos de oitava provenientes do sistema de escalas (que formarão os modos);
  • modulação: a forma em que se aplica os modos. Cada um dos 7 modos transmitia uma sensação diferente. Vale a observação que esses modos gregos não correspondem aos atuais modos ‘gregos’, como será abordado quando estudarmos o cantochão;
  1. mixolídio: T T T S T T S
  2. lídio:  S T T T S T T
  3. frígio:  T S T T T S T
  4. dórico: T T S T T T S
  5. hipolídio: S T T S T T T
  6. hipofrígio: T S T T S T T
  7. hipodórico: T T S T T S T
  • composição melódica: são as correspondências do ritmo e da forma poética com os modos musicais;

LEITURA APROFUNDADA:

Como vocês já podem perceber, a forma resumida em que trabalho nesse blog não é de forma alguma suficiente para desenvolver um panorama completo a respeito dos temas trabalhados. O básico que é aqui escrito tem o objetivo de situar o leitor no contexto histórico necessário para que um leigo acompanhe as mudanças na música e seja capaz de escuta-la de forma crítica. Se o assunto é de seu interesse, continue sua estudando pelos livros que indicarei no fim de cada post (que inclusive podem ser lidos no books.google), onde vou especificar o capítulo que tratará do assunto. Alguns dos textos que faço referencia também estão sendo linkados ao decorrer do post. Também vou oferecer exemplos musicais para que escutem as transformações musicais de cada período no início de cada postagem para criar uma ideia mais concreta a respeito do tema.

ASPECTO ESTÉTICO: Para aqueles que gostariam de complementar a leitura desse texto com um material mais sólido, indico o primeiro capítulo do livro “Música e Filosofia: Estética Musical” de Lia Tomás, onde a música na formação cívica do cidadão grego pode ser estudada a fundo.

ASPECTO HISTÓRICO: Para aqueles que realmente gostariam de uma perspectiva acadêmica aprofundada no tema e são capazes de uma boa leitura em inglês, recomendo os capítulos I, II e III do livro “Music in the Western World: a history in documents” (Piero Weiss/Richard Taruski,1984).

Vamos dar continuidade ao nosso estudo histórico com a música romana no próximo post.

Série História da Música da CAVERNADOLENHADOR:

Introdução a História da Música Ocidental
História I: A Herança Grega
História II: A Música da Antiga Roma
História III: Música na Idade Média

Introdução à História da Música Ocidental

Olá para todos os entusiastas do blog musical CAVERNADOLENHADOR.

Olá, estudantes da música! Inaugurando com esse post, lhes trago a série HISTÓRIA DA MÚSICA, onde irei comentar a respeito do surgimento da escrita musical e suas diferentes manifestações no ocidente; partindo do cantochão e passando pelos períodos renascentista, barroco, clássico, romântico e até, quando o tempo permitir, a música moderna.
Meus textos serão embasados no conhecimento acadêmico adquirido por mim ao decorrer da minha graduação em música, em artigos diversos lidos no decorrer do mestrado em musicologia e principalmente na terceira edição do livro ‘A HISTORY OF WESTERN MUSIC’ (Donald Grout/Claude Palisca, 1988), destinado a um público um pouco mais seleto em função de sua densidade. Será interessante acompanhar os posts que virão estudando paralelamente a história tradicional das civilizações do ocidente no nosso fiel ‘wikipedia‘. Sua base em história geral necessária para acompanhar esse ramo da música deve ser muito sólida, uma vez que a música se relaciona diretamente com a época, as pessoas e a localidade em que ela origina-se.

UM PANORAMA DA MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO

Paralelamente a queda do império romano e a deposição do último imperador romano, um novo poder se firmava na névoa das guerras bárbaras. Em contrapartida ao domínio político romano, esse novo poder era de ordem religiosa. Por volta do século V,  a igreja católica já exercia um poder unificador na Europa pós-invasões, e já havia se firmado como uma instituição influente. A fé cristã já havia sido adotada pelos últimos imperadores romanos e os vestígios de seus antigos domínios lentamente se convertiam.

A alta idade média, periodização que indica a época posterior a queda de Roma, será o nosso ponto de partida para o estudo da música ocidental. A música greco-romana não foi registrada, e por isso não haviam parâmetros certeiros para que os músicos dos períodos posteriores se inspirarem, como era (e ainda é) convencional na formação dos artistas e intelectuais que se consagraram na história. Pintores e escultores poderiam admirar obras concebidas na época; pensadores e escritores bebiam da fonte da literatura grega e romana.

A razão para esse desaparecimento das tradições musicais greco-romanas se deve a própria ascensão da igreja cristã. A maior parte dessa tradição era associada a rituais pagãos e costumes sociais que a igreja julgava primitivos, e, em um trabalho de séculos, a perseguição cultural culminou na descontinuação dessas práticas musicais e, finalmente, em sua extinção.

Certas características da música da Grécia foram absorvidas pela música sacra durante sua formação em seus primeiros séculos. Embora desvinculada da música pagã, alguns elementos dessa música antiga sobreviveram durante a idade média, como as teorias musicais integradas no seu sistema filosófico – mais detalhes nesse post. Dentre as atividades condenados pela igreja e extintos em seu domínio, merecem destaque: música associada a grandes espetáculos públicos (festivais, concursos, teatros, rituais) e música para o deleite intimo.

Assim, para ser possível um entendimento da música medieval, é necessário um estudo aprofundado acerca do pensamento, teoria e das práticas musicas dos Gregos, que será abordado na próxima postagem dessa série.

Série História da Música da CAVERNADOLENHADOR:

Introdução à História da Música Ocidental
História I: A Herança Grega
História II: A Música da Antiga Roma
História III: Música na Idade Média