Olá para todos os entusiastas do blog musical CAVERNADOLENHADOR.
Veremos adiante alguns apontamentos históricos sobre a aplicação na música dos conceitos ‘universal‘ e ‘particular‘, originários da filosofia grega e ainda discutidos pela escolástica.
Música, no pensamento grego, era o mesmo que harmonia, significando medida/proporção. Música era a forma em que as relações matemáticas se apresentavam no mundo, os intervalos e as escalas eram demonstrações práticas de ordem e equilíbrio. O fenômeno musical refletia a estrutura harmônica do universo. Música era uma ferramenta para entender o mundo. Nos ensinamentos de Pitágoras, a música e a aritmética não eram disciplinas separadas, assim, o sistema dos sons e ritmos musicais , sendo regidos pelo número, exemplificavam a harmonia do cosmos. Ptolomeu, o mais sistemático teórico musical da época, foi também o mais importante astrônomo da antiguidade. Seu trabalho comparou notas musicais e intervalos à corpos celestes e leis matemáticas. Na concepção de universal dos gregos, o dado metafísico era importante para entender a existência da música (como manifestação física das leis matemáticas e cosmológicas), mas também era importante avaliar a música como som, como manifestação particular, e seus efeitos na índole humana, o “ethos“, que é explicado neste outro post.
O conceito de universais e particulares surge nessa época com Platão, em sua teoria das formas (ou idéias). Basicamente, Platão acreditava que os seres humanos participavam do mundo físico e do mundo das idéias. O mundo físico é sensível, onde podemos encontrar as particulares, coisas como cadeiras e cães. Muitos são os tipos de cães, mas o que o define como cachorro é um “cachorro perfeito”, que, por sua vez, se encontra no mundo das idéias. O mundo das idéias é de onde existem as formas universais, de onde são derivadas as particulares que temos no mundo sensível. Contrapondo-se à visão platônica da forma perfeita, Aristóteles, seu discípulo, formula uma nova teoria. A visão aristotélica suporta que aquilo que é comum a vários indivíduos por si só não forma um indivíduo. Ele exemplifica isso com criaturas mitológicas, que têm características de diferentes animais do mundo sensível, mas só existem no mundo das idéias.
Quando refletimos sobre o conceito de particular e universal na música, nos deparamos com um problema: a performance musical é universal ou particular?
Segundo a visão platônica, onde as universais existem independente das particulares, uma performance interpretativa seria uma particular, onde a universal se encontra na música idealizada pelo compositor ou a partitura por ele escrita.
Já no ponto de vista aristotélico, em que a universal existe dependendo de particulares para exemplificá-la, podemos propor que, para que a obra idealizada pelo compositor exista, é necessário que existam interpretações dessa obra.
Em um momento posterior, ligado à um efervescente reavivamento da filosofia grega na alta Idade Média, surge uma nova linha de pensamento que contrapor-se-á às perspectivas platônicas e aristotélicas. O filósofo escolástico William de Ockham (1287 – 1347) introduz o nominalismo, conceito que nega a existência de universais, atribuindo existência apenas às particulares. Observando a música por essa perspectiva, a interpretação tem maior importância e a obra idealizada não existe, o que existe é a performance particular. O pensamento escolástico de Ockham evidencia as mudanças de paradigma que transformam a percepção da música em sua essência e funcionalidade, impactando no surgimento do que viria a ser a estética musical denominada ars nova, marcada por compositores como Giullaume de Machaut (1300-1377). (exemplo musical – Rose, Liz, Printemps, Verdure)
Com a ars nova e o surgimento da polifonia, a música volta a ser apreciada como particular, de maneira mundana, ao contrário da doutrina eclesiástica que substituíra – que elevara a música ao divino, uma reprodução platônica do universal perfeito. Verificando estas diversas linhas de pensamento expostos neste texto, podemos concluir que o nominalismo é a abordagem que mais se aproxima da performance musical atual, que atribui um valor independente à performance interpretativa e não pressupõe a existência de uma interpretação perfeita, universal, de uma obra.